terça-feira, 11 de dezembro de 2007

Um pouco mais humano


Por Carlos Ignatti

Saí do abrigo como há muito não fazia, mas diferentemente de qualquer outra saída que eu já tinha dado, fui propenso a reflexões. Analisava com mais frieza os atos banais para olhos contemporâneos.
Na cidade, em meio à multidão, fiquei fixo num eixo apenas girando e acompanhando as cenas que mais me chamavam a atenção.
As pessoas notavam meu comportamento estranho e minhas vestimentas que eram pouco convencionais para o padrão urbano. Mas eu não era visto como aberração, apenas como uma pequena anomalia, e a cidade está cheia de anomalias, então eu era quase normal e quase membro da sociedade.
Olhando em todas as direções possíveis, vi uma mãe nervosa e apressada puxando pela mão uma criança tão pequena que teria dificuldades para subir alguns degraus de uma escada, ou teria de ficar de pé na cadeira para almoçar junto à família, no domingo. A criança chorava, pois sua chupeta caíra da boca, e a mãe, muito apressada, não quis parar para pegar. O choro da criança era alto e triste e, ouvindo aquilo e vendo a cara de tristeza daquele pe
queno bloco de massa viva, me senti triste e meu coração se encheu de piedade.
A chupeta foi chutada por um pé desavisado e os dois sumiram, em meio à multidão. Minha piedade, então, deu lugar a outro sentimento, o da apatia, porque, apesar de ter sentido a tristeza da criança e sentido pena dela, apenas olhei e não intercedi, pegando a chupeta.
Virei rapidamente minha cabeça procurando fugir daquilo e, do outro lado, vi ser assaltada, em meio à multidão, uma mulher feia e com o nariz tão grande que devia consumir duas vezes mais oxigênio que eu. O ladrão puxou a bolsa e correu muito. As pessoas apenas olhavam e comentavam a cena, mas ninguém nem ao menos socorreu a mulher. Vi que todos eram tão apáticos quanto eu para as tristes situações da realidade, então, me senti tomado pelo sentimento de conformismo.
Isso me levou a olhar as pessoas circularem e, como numa lousa, toda aquela cena se apagou dando lugar novamente ao transitar de rostos sem uma mensagem clara para mim.
Virei-me bruscamente para trás procurando algo melhor, diferente, quando uma mulher enorme esbarrou em mim, jogando minha sacola para bem longe. Ela não parou e não pediu desculpas e nem olhou para trás, apenas continuou sua vida como se, de certa forma, não tivesse invadido a minha. Fui tomado por um sentimento de ódio, senti vontade de bater naquela mulher, que era alta e forte e sem educação e apática como eu e todas as pessoas que passavam por ali naquela hora, pouco se importando com o mundo, e menos ainda comigo.
Dando-me conta disso, vi que nenhum homem ou mulher deste mundo era digno de respeito. Éramos todos seres egoístas preocupados apenas com o pequeno universo que gira em torno de nosso imundo umbigo, mas que
num todo não é maior que uma ponta de agulha. Senti nojo de mim e de todos os que passavam pela calçada naquele momento.
Disposto a gritar todo o meu ódio para a multidão, fui interrompido por uma pequena mão puxando minha camisa e oferecendo de volta minha sacola, que a pouco voara de minha mão. Um garotinho que eu nem conhecia, de no máximo dez anos, vestindo uma camiseta vermelha, tinha saído de não sei onde apenas para pegar minha sacola e devolve-la para mim. E, além disso, ele sorriu e disse, “tó moço, você derrubou!”.
Só pude agradecer e ver o garotinho educado e sorridente, que vestia uma camisa vermelha, voltar para a mão de seu pai que olhou para mim e também deu um sorriso.
Sucumbi, me entreguei ao caos quando os meus olhos se encheram de lágrimas e me senti um ser mais asqueroso ainda por ter julgado toda uma sociedade como desprezível, sem antes ter conhecido o garotinho sorridente e seu simpático pai.
Agachei ali mesmo e comecei a chorar e a sentir medo de, apesar de meus anos de vida, não ter entendido nada e de ninguém ter me entendido ainda. Senti medo de ter sido tomado por todas aquelas sensações e talvez não estar fazendo o julgamento correto. Perguntava-me que tipo de ser podia sentir tudo aquilo e dar importância para tantas coisas bobas e ter chamado a atenção das pessoas com um comportamento estranho e ter errado no julgamento que fiz delas.
Morri por um instante, mas refleti e depois compreendi que eu era normal, eu era comum, que tudo que eu havia feito ou sentido, apesar de não fazer parte de um estereótipo-padrão, era apenas comportamento humano e que eu não deveria me martirizar, mas apenas aceitar as coisas e conviver com
isso, e tentar mudar o que eu achava errado, mas não querer mudar o mundo.
Levantei com um sorriso triunfal no rosto, pronto para voltar ao meu abrigo, mas nem precisei fazer muito esforço. Neste instante, quatro grandes mãos vindas de dois grandes corpos, um negro e um branco, me agarraram e me jogaram para dentro de uma ambulância velha, cheia de pontos de ferrugem e que me levaria de volta ao abrigo. Eles usaram de força e falaram palavrões, mas nem me importei, o caminho que eu andaria, gastando ainda mais a sola de meu sapato preto, agora seria feito rapidamente de ambulância.
Os dois estavam bem nervosos, não sei bem com o quê, e sentaram na frente, mas pude ouvir o grande corpo negro dizer, “Por que eles fogem? Me responda! Eu não estou mais agüentando este trabalho...”.
Talvez um dia ele devesse ficar parado no meio de nós, dentro do abrigo e, depois, ficar no meio da multidão, vendo as pessoas passarem. Isso, talvez, responderia a sua, e o ajudaria a entender melhor as coisas.

2 comentários:

@diaboloiro disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
@diaboloiro disse...

Tão bizarro quanto pré-conceitos sugerindo uma pseudo graduação para a sanidade de um ser, é a amarração torpe que especialistas de plantão fazem com qualidade da informação e a mídia onde ela é publicada.

Ok, o que a verborragia acima tem a ver com o texto? Eu vou saber? Sou humano o suficiente pra escrever o que quero onde quero oras...

:-P